De tempos em tempos, a Educação vira notícia por seu fraco desempenho no PISA, por gafes do ENEM e ocupações (ou fechamentos, como preferir) de escolas. Em meados de 2015, porém, ela despontou com uma polêmica mais positiva que de costume: a discussão sobre a BNCC. Lançada pelo Ministério da Educação, a Base Nacional Comum Curricular é uma proposta que visa estabelecer um norteador comum para a elaboração dos currículos escolares, garantindo que todos os estudantes tenham os mesmos direitos de aprendizagem, não importando a região ou a rede de ensino de que façam parte.
O documento original, que tinha uma série de inconsistências, foi disponibilizado para consulta pública. Qualquer um, incluindo eu e você, podíamos acessar o portal e dar nossa contribuição. A polêmica foi grande: alguns contra, outros a favor; alguns com visões tradicionais de ensino, outros com a vanguarda. Polaridades à parte, um cenário promissor: a Educação deixava de ser notícia para tornar-se pauta de discussão.
Após a leitura de especialistas e a contribuição pública, o MEC disponibilizou no último mês de abril uma segunda versão da Base. Dúvidas ainda pairam sobre os educadores e parecem naturais, considerando-se que se trata de uma proposta inédita no país e ainda em elaboração, composta de pressupostos mais teóricos que práticos. Ela não traz as fórmulas prontas nem as imposições a que estamos acostumados, e dá abertura para cada instituição construir a prática de acordo com seu projeto pedagógico.
No início desta semana, assisti a um seminário em que se propunha discutir “a BNCC e a definição de currículos, conteúdos e materiais didáticos”, do qual participaram representantes de órgãos públicos e privados da Educação, professores, especialistas e autores de livros didáticos. Para minha surpresa, porém, estivemos longe de “definições”, como proposto no nome do evento. Muitas falas, além de vagas, estavam pautadas ainda na polaridade de oito meses atrás, quando a primeira versão da BNCC foi lançada, e buscavam mais apontar as falhas do documento ou as já conhecidas feridas da nossa Educação do que apresentar propostas construtivas.
Como educadora entusiasta, me parece inevitável a reflexão: se a BNCC é resultado de esforços que reúnem os melhores especialistas do país e nem assim consegue o apoio da maioria das frentes envolvidas com a Educação (que, teoricamente, têm objetivos comuns), isso significa que somos uma nação incapaz de produzir qualidade ou significa que temos complexo de inferioridade tamanho que nos torne incapazes de acreditar no nosso potencial e pensar na viabilidade de nossas próprias propostas? Ou tudo se resume à simples descrença em nossa Educação, por parte dos próprios educadores?
Mais agravante ainda que a repetição de discursos que colocam a solução da educação brasileira nas mãos dos professores, que usam a muleta da precariedade das condições salariais ou que ignoram os avanços dentro de cada disciplina (e, por exemplo, reivindicam o ensino tradicional da gramática), foi perceber que o tema do evento tornou-se pretexto para cada um defender seu posicionamento político. Um seminário em que se deveria fazer Educação terminou com discussões que tinham como pano de fundo velado o impeachment e o golpe, a posição e a oposição.
Se nem mesmo diante de propostas importantes como a BNCC a Educação for mantida na centralidade da discussão e nem mesmo pelos educadores e especialistas ela for tratada como projeto de país em vez de projeto político, ela não será nem de direita nem esquerda: permanecerá marginalizada, sem posição.
►Para saber mais:
- Base Nacional Comum Curricular;
- Discussões sobre a BNCC;
- Desafios da educação: BNCC;
- Debates Brasilianas (TV Brasil): BNCC.
Acesso em 26 de Fevereiro de 2019
A impressão que tenho é que ainda estamos num estágio de desenvolvimento onde a sobrevivência do indivíduo se destaca em relação aos interesses do grupo. Há tantos problemas (corrupção, distribuição de renda, violência…) que podem ter como origem o egoísmo, cuja origem é um tanto nebulosa pra mim. Ex. (não regra, mas parece maioria): a pressa de cada um é sempre maior que a dos outros… as regras valem para alguns e não para todos… Esses fatos parecem ter influência, inclusive, na polaridade política, na falta de respeito por opiniões diferentes da adotada por cada indivíduo…
A educação seguramente é uma forma de elevar esse grau de consciência para o nível coletivo, mas como mostrar que isso, de fato, pode diminuir o problema? A BNCC tende a igualar a formação de cada cidadão, mas o enfoque ainda me parece ser o conteúdo, não? A cidadania e desenvolvimento psicológico das crianças precisam de mais espaço… a cultura, a criatividade… enfim…
A situação é bastante complicada… se eu fosse gestor público, não saberia por onde começar. Tudo parece ter prioridade (segurança, saúde, moradia, alimentação…). Acho que é a situação em que os eles se encontram, por isso uma discussão que poderia ser focada e de alto nível, descamba para o trivial, para o ‘fla x flu’.
Romenig, a sobreposição do individual ao coletivo é mesmo um problema que gera outros ainda maiores. Mas, numa postura talvez idealista, acho que vamos evoluir. Parece que mais pessoas têm trazido a discussão à tona, como se uma consciência estivesse despontando, talvez justamente por se perceber que chegamos ao limite, que esse modelo é insuportável.
Já sobre o foco da BNCC ser o conteúdo, eu diria que “sim em partes”. Entendo que o fato de ela estabelecer objetivos e direitos de aprendizagem em vez de uma lista de conteúdos aponta para um caminho diferenciado… Em Linguagens, por exemplo, temos claro o objetivo de explorar os diferentes recursos pensando na comunicação, no expressar-se, no compreender e analisar criticamente o discurso do outro. Esse exemplo traz embutido um espaço para o debate ideias, o que ouvir, posicionar-se, respeitar a opinião alheia e embasar a própria, etc. Isso parece uma evolução, se compararmos com um objetivo como “orações subordinadas”, não?
Mas, de fato, a preocupação com conteúdo permanece. No Seminário falou-se da relevância do vestibular nisso. Infelizmente, ele continua ditando muitas regras, já que é considerado o “objetivo-mor” da vida escolar por uma maioria. Ou seja, temos um longo caminho…
Mari, veja ainda que o BNCC, traz como proposta geral ocupar 60℅ do currículo, a parte -óbvio- comum, ou seja, 40% está nas mãos das redes e das comunidades discutirem, acho que bonito seria se cada escola, com seus alunos à frente, buscassem preencher esse espaço. Imagina o que isso significa para comunidades quilombolas, indígenas ter suas línguas, histórias e saberes no currículo escolar, pleitear verbas pra manutenção disso – porque o estado garante essa brecha. Também vale para a escola técnica que queira incrementar o repertório dos alunos… entonces, o problema é que ninguém leu a base direito ou não querem mais trabalho?
Mas, à sombra disso, o que vejo é o pensamento tradicional de quem quer manter sua escola particular no topo dos rankings fictícios, das empresas que vendem “didática e didáticos”, por que “isso tudo de Base” fere o status quo… vender respostas prontas não será fácil! Programas governamentais e seus editais não serão atendidos com facilidade, isto é, sem investimento…
Mas, também, acrescente aí a formação das licenciaturas, que nem cheiram a PCN, imagina à BNCC?! Mas acredito que com uma base, que se eleva como direito cidadão, as universidades terão que se conformar… mas haverá formação continuada para is já formados?
Enfim, acho incrível vc trazer esse tema, espero que questões e insights ajudem a manter o debate em alto nível.
Besos!
Um tema que veio à tona no seminário foi justamente a formação de professores e, nesse caso, houve consenso: ela é fundamental para que a Base não caia no esquecimento (como com os PCNs…). Afinal,
a proposta só se concretiza se na sala de aula, e é justamente o professor quem está ali, não é? Precisamos não só de uma reviravolta nas licenciaturas, mas de investimento nos profissionais já atuantes.
Acho positivo que o MEC tenha registrado essa necessidade. Nas páginas inicias da segunda versão da BNCC, vemos que a proposta está atrelada a quatro políticas, entre elas a “Política Nacional de Formação
de Professores”. Ou seja: foi dado um primeiro passo. Agora, precisamos saber: o que (e como) será feito?
Sobre os 40% da parte diversificada, achei muito boa a sua leitura, parecer captar bem a essência da proposta (pelo menos, a essência que eu acredito que ela tenha… rs). E, de fato, esses 40%, se aproveitados
dessa maneira, não permitem fórmulas prontas. Todos teremos de sair da zona de conforto…
Obrigada pela contribuição, Conrad!